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POST VIP: NELSON RODRIGUES – Todas as paixões brasileiras


Por Mauro Alencar

Mauro Alencar mais uma vez, ilustra um especial nosso com um primoroso texto. O nosso convidado é integrante da Academia de Artes e Ciências da Televisão de Nova York, tem doutorado em Teledramaturgia Brasileira e Latino-Americana - USP. Mauro escreveu alguns livros como: A Hollywood Brasileira - Panorama da Telenovela no Brasil, Selva de Pedra, O Bem-Amado, Pecado Capital, Roque Santeiro e Vale Tudo. Incansável, ele também é Membro da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom e Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación – Alaic. Confira com exclusividade seu texto sobre a trajetória de Nelson Rodrigues na Teledramaturgia.



A televisão agiu sobre Nelson Rodrigues como um prisma, contornando as muitas cores de um mesmo autor, ainda que seguramente as suas cores prediletas fossem alusivas ao glorioso tricolor ("Se quereis saber o futuro do Fluminense, olhai para o seu passado. A história tricolor traduz a predestinação para a glória").

Absolutamente apaixonado pelo gênero folhetim, foi um dos primeiros autores de teatro moderno a aderir e a defender a teledramaturgia. Em 1963, escreveu para a TV Rio a primeira telenovela diária no Rio de Janeiro: A Morta Sem Espelho, onde uma mulher – Isabel Teresa (Fernanda Montenegro) - era atormentada pela impossibilidade de ver seu reflexo. O elenco contava, entre outros, com as presenças de Sérgio Britto (também diretor da novela), Ítalo Rossi, Zilka Salaberry, Aldo de Maio, Jayme Barcellos, Maria Fernanda e as estreias de Francisco Cuoco e Paulo Gracindo (já consagrado na Rádio Nacional).      
 
Nelson e a atriz Fernanda Montenegro: parceria histórica que saiu do teatro e inaugurou a teledramaturgia 100% nacional com a novela A morta sem espelho. A produção, realizada para a TV Rio em 1963 sob encomenda de Walter Clark, trazia o próprio Nelson como narrador da trama.
 O sucesso dessa trama, carregada de elementos do teatro rodrigueano, levou o autor a escrever mais três novelas para o mesmo canal: Pouco Amor Não é Amor (1963), O Desconhecido (1964) e Sonho de Amor (1964), esta última livremente inspirada em O Troncodo Ipê (romance de José de Alencar). Nelson Rodrigues também foi o ponto de partida e alicerce para tantos outros diretores e autores de televisão. Romances como Meu Destino é Pecar (publicado em 1944) e Asfalto Selvagem - Engraçadinha, Seus Amores e Seus Pecados (de 1959) foram adaptados para excelentes minisséries. A primeira, exibida em 1984, trouxe para a TV o talento de Lucélia Santos – atriz símbolo do cinema rodrigueano (Bonitinha, Mas Ordinária), ao lado de Tarcísio Meira, Marcos Paulo e Nathalia Timberg. A segunda minissérie, exibida em 1995, com o título de Engraçadinha ...Seus Amores e Seus Pecados foi uma das mais notáveis transposições do “Anjo Pornográfico” para a TV em elenco liderado por uma brilhante Cláudia Raia que teve ao seu lado nomes que ajudaram a compor com precisão o painel de paixões reprimidas num melodrama com requintes de tragédia brasileira: Alessandra Negrini (a Engraçadinha na primeira fase da trama), Cláudio Corrêa e Castro, Maria Luísa Mendonça e Ângelo Antônio.  

    
Suas peças teatrais também foram adaptadas para a televisão, dentre as quais ressalto as primorosas encenações de Vestido de Noiva. Tanto a primeira, em 1974, com direção de Antunes Filho para o Teatro 2 (TV Cultura) e a segunda, em 1979, com direção de Paulo José para o programa Aplauso (TV Globo) souberam transportar para uma nova linguagem toda a carga de inovação e obsessão contida no texto original de 1943, cuja encenação dirigida por Ziembinski revolucionou o teatro brasileiro. Na versão em preto-e-branco, a intensidade de Lilian Lemmertz conduziu o elenco formado por Edwin Luisi, Célia Olga e Nathalia Timberg, de excepcional força dramática, como a lendária Madame Clessi. A produção da Rede Globo, em cores, brindou-nos com a carismática Suzana Vieira ao lado de Othon Bastos, Joana Fomm e Tônia Carrero, diva e mestra que abrilhantou ainda mais a clássica personagem.         

Outra faceta que Nelson Rodrigues pôde exercitar na televisão foi a de cronista esportivo. Em programas como Grande Resenha Facit (Globo, 1966-71), dramatizou o futebol da mesma forma que suas peças, contos e telenovelas porque enxergava nestes o espetáculo, o grave e o patético. Fascinado pelo ser humano e o que ele tem de mais profundo, Nelson Rodrigues utilizou também a televisão para transitar por todas as paixões do brasileiro. Exatamente por isso, considero A Vida como Ela É... sua famosa coluna no jornal carioca Última Hora, entre 1951 e 1956 (e levado, em 1996, ao programa Fantástico, sob a batuta de Daniel Filho) como síntese de sua obra e ao mesmo tempo a grande fonte para a criação de seu universo. Nos dizeres de Sábato Magaldi em Nelson Rodrigues: Dramaturgia e Encenações, “A Vida como Ela É... determinou a passagem dos temas míticos para as sugestões da Zona Norte do Rio, a grande fonte popular”. Sabendo-se que a maior parte de seu período produtivo o dramaturgo viveu no Andaraí, bairro típico da classe média, e dentro dela a menos favorecida, é fácil compreendermos como a observação da vizinhança e dos dramas mais íntimos do cotidiano serviram de fonte para o ficcionista. Desse modo, jornal e texto dramatúrgico passaram a não ter limites, inclusive na televisão.

Em 1982 foi, mais uma vez, alvo da Censura Federal que julgou imoral para o horário das seis horas na Rede Globo uma adaptação de Teixeira Filho para O Homem Proibido.  A começar pelos protagonistas - o ator David Cardoso, astro das pornochanchadas, e o excesso de intimidade entre as personagens Sônia (Elizabeth Savala) e Joyce (Lídia Brondi) – tudo era motivo para o corte de cenas que pudessem resvalar num duplo sentido, ou melhor, em aspectos que expusessem intimidades sombrias ou o retrato sem retoques do indivíduo. 

Novela exibida em 1982
Certamente está aí a chave da perenidade da obra de Nelson Rodrigues e sua principal contribuição à dramaturgia e à compreensão dos mais intrincados aspectos do ser humano. Ao romper com a máscara teatral, símbolo da presença física do ator, passou a dramatizar a psicanálise, deixando de lado a unidade consciente para mergulhar e iluminar os insondáveis mistérios multifacetados do subconsciente.

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