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Órfãos da terra pode ser dividida entre o antes e o depois da morte do sheik Aziz

Por Rafael Barbosa


Quando “Órfãos da Terra” estreou em abril deste ano, o público da internet, impressionado com o que viu, rapidamente começou a dizer que a novela era digna do horário das 21h, o mais nobre e de maior audiência da Globo. De fato, a trama que marcou a volta ao ar das autoras Duca Rachid e Thelma Guedes, após 5 anos afastadas, chegou chegando, com uma trama densa demais para os padrões do horário. No entanto, a novela, que se encerrou nesta sexta (27/09) terminou muito diferente do que era quando começou. 

Antes
O início da trama impressionou por muitas razões. Foi a primeira novela a abordar a questão dos refugiados de uma forma tão contundente. O tema é bastante atual, está no centro de debates no mundo todo e precisa ser mais discutido. Nesse sentido, a novela foi muito feliz, conseguiu tratar do assunto com muita responsabilidade e sensibilidade. 

Algumas das melhores cenas de “Órfãos da Terra” são justamente dessa fase inicial da novela. Impressionou a sequência da travessia dos refugiados pelo oceano, em um barco lotado e sem segurança debaixo de uma tempestade. Bem como foi emocionante a sequência inspirada na fotografia do corpo do menino sírio na praia, que chocou o mundo por revelar a tragédia causada pela guerra. 

A temática conseguiu servir não apenas ao propósito de colocar a questão em evidência e fazer refletir, mas também à narrativa de uma maneira geral. A condição de refugiados de Laila e sua família foi o que a deixou vulnerável para cair nas garras do sheik Aziz e o que a fez encontrar seu grande amor, Jamil (Renato Góes), que precisava decidir entre entregar sua amada ao patrão para ser castigada ou traí-lo e fugir com ela para viver seu amor e com isso colocar a vida de ambos em risco. Portanto, ao mesmo tempo que era possível refletir e se emocionar pelo drama do refúgio, havia ali uma trama instigante o suficiente para prender a atenção. 


O trabalho do diretor artístico Gustavo Fernandez e de sua equipe, foi uma das grandes contribuições para esse resultado impressionante que a novela apresentou no começo. Tudo foi muito bem executado em cenas fortes, realizadas com criatividade, beleza e competência. Além disso, as autoras são exímias roteiristas, o que permitiu capítulos muito bem estruturados, situações bem amarradas e um ritmo intenso. Soma-se a isso o elenco bem escalado e entregue. 

Tudo ia muito bem até que na primeira grande virada da novela, o vilão mor da trama, brilhantemente interpretado por Herson Capri, foi assassinado. A partir de então, a história indicou que se sustentaria em cima da investigação do crime e da reação de Dalila (Alice Wegmann), filha de Aziz, que assume a vilania da novela. Porém, o que se viu depois foi uma trama enrolada, previsível e cansativa. É por essa razão que se pode dizer que a novela se divide entre antes e depois da morte de Aziz. 

Depois
É certo que o assassinato do vilão sempre esteve previsto e que foi necessário para que a história caminhasse, o problema é que, pelo modo que a narrativa foi se desenvolvendo, ficou claro que a trama não tinha muito para onde ir e que havia pouca história para contar. Acreditava-se que o enredo enveredaria para um suspense policial, mas “o quem matou”, que mesmo batido, poderia ter movimentado mais a trama e mais personagens, foi simplesmente esquecido. Foi retomado agora no final, mas com impacto zero. Ninguém se importava mais. 

Sobrou a vingança de Dalila, que acabou se mostrando frágil demais pelo modo com que foi executada e que não deu conta de sustentar a novela como deveria. Se arrastou até o fim com uma série de artifícios manjados: sequestros, falsificação de DNA, drogas plantadas na mochila ou na casa de alguém, chantagens e por aí vai. Tudo muito cansativo e enfadonho. De vilã fria, inteligente e ardilosa, Dalila tornou-se obsessiva, repetitiva, pagando paixão para o mocinho o obrigando a se casar com ela. A trama central ficou naquela monotonia do gato e rato entre Dalila e o policial Almeidinha (Danton Melo) junto dos mocinhos, outros que perderam a graça.  


Alice Wegmann, entregou uma bela performance, confirmando ser uma das melhores atrizes de sua geração, mas nem isso tornou sua vilã marcante. A personagem, com o tempo foi jogada para o limite entre a vilania ensandecida e uma possibilidade de redenção, o que poderia ter sido melhor explorado se não fosse a necessidade de imprimir ritmo a novela com uma porção de ações vazias, que até movimentavam os capítulos, mas sem construir nada consistente, sem surpreender, sem revelar mais dos personagens, algo que a atual novela das sete, “Bom Sucesso”, faz muito bem. 

Enquanto a trama central se concentrou nas constantes armações de Dalila, as paralelas se resumiram, quase que todas, em dilemas de casais. Alguns funcionaram bem, dada a química dos atores, outros, improvisados de última hora ou simplesmente forçados, não convenceram. Zuleica (Emanuelle Araújo) e Almeidinha; Cibele (Guilhermina Libanio) e Davi (Vitor Thiré); Santinha (Cristiane Amorim) e Fauze (Kaisar Dadour); Valéria (Bia Arantes) e Camila (Anajú Dorigon) e Sara (Verônica Debom) e Ali (Mouhamed Harfouch), foram os melhores casais.  

O que valeu a pena
Da fase “depois da morte de Aziz”, nem tudo foi desinteressante, algumas coisas ainda fizeram valer a novela. A trama melhorava significativamente quando resolvia colocar o foco sobre o refúgio, que foi ficando em segundo plano com o tempo. 

Todas as situações que serviram ao objetivo de tratar do tema foram bem vindas e emocionaram, como quando foi mostrado o drama de Faruq (Eduardo Mossri) lutando contra a discriminação e pelo direito de exercer a sua profissão no Brasil, ou a chegada de Martin (Max Lima) traumatizado pelos conflitos de seu país. Os depoimentos de refugiados da vida real também foram bem amarrados à história e colocados com delicadeza. 

Missade (Ana Cecília Costa), na minha opinião, a melhor interpretação e melhor personagem da novela, a despeito dos conflitos envolvendo as traições do marido, foi uma das poucas que teve uma trajetória interessante de acompanhar. Depois que sua família se estabeleceu no Brasil, a questão do refúgio seguiu sendo abordada através dela e de sua dificuldade em se adaptar à nova realidade. Emocionou em diversos momentos. Uma das mais fortes sequências foi quando teve sua barraca destruída por outros comerciantes. Ainda que fruto de uma armação de Dalila, o entrecho funcionou bem para mostrar a vulnerabilidade dos refugiados diante da hostilidade e preconceito das pessoas. 
Além disso, se em muitas novelas, o núcleo cômico é sempre encarado como a “hora do xixi”, em Órfãos da Terra, este, na maior parte do tempo, funcionou com situações bem construídas, muito em função do desempenho dos atores. O conflito entre judeus e árabes, com direito a romance, rivalidades e picaretagens, rendeu bons momentos a história e trouxe leveza a questão do choque entre culturas e religiões. 

Se fez rir, esse núcleo também fez emocionar, já que apresentou algumas das cenas mais emocionantes da reta final, focadas no Alzheimer de Mamede (Flávio Migliáccio), que protagonizou belíssimas cenas, especialmente com Osmar Prado, o Boris. Outrora rivais pelo conflito cultural e religioso, foi bonito ver prevalecer a solidariedade, respeito e amizade entre eles, além do prazer em ver grandes atores em cena. 


Saldo final
Diante disso, “Órfãos da Terra” termina como uma novela que poderia ter sido mesmo um grande novelão, marcando o público, mas que se perdeu pelo caminho ou que não teve história suficiente para o número de capítulos em que precisou ficar no ar. Com as devidas adequações, daria talvez uma minissérie. Não poderia mesmo ter sido uma novela das 21h e tampouco fez jus a qualidade que o horário das 18h vem apresentando nos últimos anos. 

Salva-se o trabalho primoroso da direção artística, que seguiu digno até o fim, conferindo o melhor à realização das cenas. Salvam-se também interpretações da maior parte do elenco, bastante diverso e bonito, que vestiu a camisa e viveu intensamente a história. Por último, “Órfãos da terra”, valeu por colocar em pauta, num produto visto por milhões de pessoas, a realidade de quem é refugiado no Brasil. Mesmo falhando dramaturgicamente, a novela respeitou o tema que serviu de pano de fundo a história e o tratou com toda a seriedade necessária, transmitindo uma mensagem que visa o amor, o respeito, empatia, solidariedade e o combate à intolerância. Dessa forma, o saldo não deixa de ser positivo. 

Ps: O último capítulo foi previsível, mas não deixou de emocionar. O texto dito por Júlia Dalavia em uma das cenas finais, foi o ponto alto, um discurso poderoso que resumiu tudo o que a novela quis passar. 


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