Por Rafael Barbosa
Há pouco mais de uma mês (25 de novembro), o globoplay estreou a segunda temporada de “Aruanas”, uma coprodução dos estúdios Globo e da produtora Maria Farinha Filmes. Uma ótima pedida para quem curte aproveitar os dias de folga maratonando uma boa série, daquelas que não dá nem para piscar.
A nova leva de episódios veio confirmar a imensa qualidade da obra. Não faço questão nenhuma de parecer suspeito ou imparcial ao dizer isso. "Aruanas" é, entre as séries nacionais, a minha favorita.
O maior feito da produção até aqui, foi conseguir fundir entretenimento de qualidade com um discurso poderosíssimo em favor do meio ambiente e dos que se sacrificam pela causa. Equilíbrio difícil de alcançar em ficções que se pretendem engajadas.
Não se trata de mera “panfletagem ecológica”, como alguns, de forma preconceituosa, podem vir a pensar, mas de uma boa trama, permeada de muito
suspense e tensão, cheia de reviravoltas, e que mergulha fundo nos dramas das
personagens. A mensagem pretendida chega até nós na medida em que nos
envolvemos com a história.
Apesar disso, sinto que “Aruanas” não vem sendo valorizada
como deveria e merecia, tanto pelo público, quando pela própria plataforma, que
parece não ter se ligado no produto de ouro que tem em seu catálogo.
Mas por que exatamente ela merece um pouco mais da sua
atenção?
Enredo
envolvente
Leandra Leal e Thainá Duarte em cena de "Aruanas" |
Como já dito, “Aruanas” é uma ótima opção para quem busca
uma série envolvente e instigante. A trama é milimetricamente construída para
provocar tensão em praticamente todos os momentos. Cada episódio conta com
acontecimentos surpreendentes que levam a história para direções inesperadas.
O ponto de partida, tanto na primeira como na segunda
temporada, é um mistério que leva a uma investigação por parte das
heroínas e seus parceiros. Este mistério, obviamente, está relacionado a crimes
ambientais que incluem assassinatos, descobertas de cadáveres, pessoas
contaminadas, perseguições, conchavos políticos, chantagens, entre outras armações.
A série mantém constantemente o senso de urgência, de que se as coisas não forem resolvidas a tempo, algo catastrófico irá
acontecer. Portanto, é impossível desgrudar os olhos da tela.
Para
quem ainda não viu:
A história gira em torno de uma ONG ambiental chamada Aruana (palavra indígena que significa sentinela), que foi fundada por três grandes amigas, as protagonistas: Natalie (Débora Falabella) respeitada jornalista; Verônica (Taís Araújo), uma implacável advogada; e Luíza (Leandra Leal), uma corajosa ambientalista. Há ainda a presença de uma quarta protagonista, a estagiária Clara (Thainá Duarte).
Os outros membros da equipe são: Falcão (Bruno Goya), quem
coordena as operações e cuida de toda a logística; André (Victor Thiré), o
relações públicas; e PontoCom (Ravel Andrade), o crânio da tecnologia.
Equipe da ONG Aruana, que dá título a série |
Primeira
temporada
A primeira temporada é ambientada na Amazônia, na fictícia
Carí, e aborda a poluição do solo e dos rios, os impactos devastadores do
garimpo ilegal e a vulnerabilidade dos povos indígenas.
A trama tem início quando um informante da ONG, um
jornalista que prometia entregar um dossiê completo incriminando uma poderosa
mineradora, é assassinado misteriosamente e seu corpo encontrado no carro de Luíza.
Segunda
temporada
Já a segunda se concentra em São Paulo, especificamente em uma
fictícia cidade do interior, Arapós, livremente inspirada em Cubatão, cidade
brasileira que ficou conhecida nos anos 80 como o “vale da morte", devido aos
níveis assustadores de poluição do ar, tema principal da temporada.
No início, o município é festejado por ter obtido sucesso
no combate à poluição e pelo desenvolvimento aparentemente sustentável das
indústrias petrolíferas do local. Mas o suicídio de um morador em protesto, durante
evento que reunia toda a população, revela que Arapós tem muito a esconder.
Em ambas as temporadas, a série se concentra ainda nos
bastidores dos acordos firmados entre empresários e políticos que lucram com a
destruição ambiental. A criminalização e a demonização
do ativismo também estão no centro da narrativa.
Dilemas
humanos
Taís Araújo como Verônica em "Aruanas" |
Apesar da trama central se estruturar a partir da investigação
dos crimes ambientais e por isso ser repleta de ação e grandes viradas, a série
não deixa de apostar forte nos dramas humanos. Todos os personagens - heroínas,
coadjuvantes e vilões -, se ocupam também de questões pessoais importantes,
apresentando algum tipo de fragilidade.
Luíza, por exemplo, das três amigas, é a que mais se coloca
em risco ao assumir a linha de frente das missões da ONG. Com isso ela se torna
cada vez menos presente na vida do filho pequeno, o que faz com que ela se
sinta muito culpada.
Já Natalie tenta superar a morte de uma filha e uma a crise em seu casamento. Verônica, por sua vez, mantém um caso com o
marido da amiga, o que ameaça não só a amizade entre as duas, como também a
sociedade na Aruana.
Através de Clara, a primeira temporada discute
relacionamentos abusivos e a violência contra a mulher. A personagem tenta se
libertar de um ex-namorado obsessivo e agressor.
Ou seja: culpa, medo, traumas, escolhas difíceis, tudo isso
está presente na rica construção de todas as personagens. Não existe nenhum
tipo que não seja interessante e que não desperte em nós algum tipo de
sentimento, seja ele bom ou ruim. Isso é o que de melhor um produto
audiovisual pode oferecer.
Para uma série que está discutindo ativismo ambiental, algo tão perseguido no Brasil, conseguir promover
esse tipo de conexão com os espectadores é ainda mais fundamental.
Roteiro
e direção inspirados
César Ferrario, Luciana Paes e a família macabra de "Aruanas" |
A primeira temporada já havia deixado evidente a criação de
uma trama intrincada, que reúne o melhor dos ingredientes de um bom thriller
criminal. A segunda temporada eleva tudo a máxima potência e ganha ainda
contornos sombrios.
O mistério que paira sobre a cidade de Arapós faz com que ela tenha uma atmosfera macabra. Os moradores, a maioria suspeitos, se
revelam tipos esquisitos, que parecem saídos de um filme de terror, como a sinistra
família de Cunha (César Ferrario).
O roteiro cria a sensação de desconforto e alimenta muito bem a expectativa de que existe algo terrível ali. A cena em que Natalie entra em uma casa escura, quase abandonada, e encontra um armário cheio de cabeças de bonecas numeradas, exemplifica bem o tom da trama.
Taís Araújo e Débora Falabella em cena de "Aruanas" |
A soma de vinte episódios reúne grandes cenas. De arrepiar a sequência que mostra o confronto entre indígenas e garimpeiros criminosos, os primeiros de peito aperto e arco-flecha nas mãos, enquanto os segundos trazem armas de fogo em punho. Bem como a cena em que toda a equipe da Aruana, de mãos dadas, grita nomes de ativistas que foram mortos na vida real.
Lima Duarte, em uma participação belíssima na segunda
temporada, protagoniza um momento catártico, quando seu personagem protesta
ateando fogo no próprio corpo.
Além de toda a beleza do texto, a produção entrega um
verdadeiro espetáculo de imagens e sons. A direção artística na primeira temporada
é de Carlos Manga Jr, e a segunda ficou sob a responsabilidade de André Felipe
Binder. As duas são muito competentes e, apesar das particularidades de cada uma, ambas conseguiram
manter uma unidade estética.
Manga explora muito bem o cenário natural da Floresta
Amazônica em belas tomadas, enquanto André trouxe para a tela a sensação
sufocante e misteriosa daquela cidade poluída. É de se aplaudir também o
trabalho na direção de atrizes e atores.
A
urgência contida na temática
Cena marcante da primeira temporada de "Aruanas" |
Não há nenhum tema mais urgente hoje do que a crise climática, cujos efeitos se fazem sentir cada vez mais, inclusive no Brasil. Daí reside a grande importância de uma série que dialoga exatamente com todas as discussões que estão ocorrendo no mundo todo.
“Aruanas” carrega a magia da ficção, com características bem
brasileiras, lançando mão de todos os recursos indispensáveis em produções do
gênero, mas com os pés bem fincados na realidade. Tudo soa absolutamente
realista, sem cair naquele tom documental ou didático que muitas séries
apresentam. Uma escolha narrativa muito mais acessível, que cativa mais facilmente
o público.
A série joga luz sobre situações que estamos acostumados a
ler e assistir nos noticiários, que muitas vezes parecem absurdas e
inacreditáveis, e por isso mesmo, também difíceis de compreender como acontecem
na prática. “Aruanas” nos mostra como é que “se passa a boiada”.
Está tudo lá: como são assinados decretos e medidas
provisórias que entregam terras indígenas de mão beijada para garimpeiros,
fazendeiros e grileiros; os acordos financeiros, pagamentos de propinas; a
violência contra ativistas e grupos vulneráveis, toda a barbárie que está por trás de discursos em favor do progresso e desenvolvimento; a participação da mídia nessa complexa relação entre ONGs, políticos, empresários e pessoas atingidas; os interesses internacionais; as CPIs...e muito mais.
Os roteiristas Marcos Nisti e Estela Rener, criadores da série, foram muito felizes no propósito de se valer da arte para sensibilizar os espectadores para a questão ambiental.
Elenco estrelar
Atrizes protagonistas de "Aruanas" |
Se todos os atributos citados acima não te convenceram de que a série é imperdível, considere o elenco de luxo, encabeçado por algumas das melhores atrizes brasileiras e que conta com participações incríveis.
Taís Araújo, Débora Falabella e Leandra Leal entregam grandes interpretações, entre as melhores de suas respectivas carreiras. Taís impressiona com um trabalho de composição impecável em uma personagem difícil, que faz jus ao seu enorme talento. Débora e Leandra defendem tipos mais emocionais, mas também com maestria. O melhor é a afinidade entre as três.. Particularmente, sou fascinado por histórias que partem de relações de amizade.
Camila Pitanga, como a grande vilã Olga Ribeiro, uma inescrupulosa lobista, também entrega uma atuação diferente de tudo o que já fez em novelas. É uma personagem deliciosa.
Thainá Duarte é uma grata surpresa e se mostra a altura das feras com quem contracena. Todo o time de coadjuvantes está bastante à vontade em seus papéis e todos têm bons momentos. Destaque para Bruno Goya, ator com enorme carisma.
As participações no longo das duas temporadas são luxuosas: Luíz Carlos Vasconcellos, Lima Duarte, Lázaro Ramos, Daniel de Oliveira, Elisa Volpato, Gustavo Vaz, Samuel de Assis, Gustavo Falcão, Luiz Serra, Cláudio Jaborandy, Cacá Amaral, o astro internacional Joaquim de Almeida e outros.
Lima Duarte em cena de "Aruanas" |
Imperdível
Fica a torcida para que "Aruanas" seja renovada para mais temporadas, pois com certeza há muito ainda a ser mostrado acerca do tema e muito o que desenvolver nas trajetórias dos personagens. Que a série também abra caminhos para mais projetos dedicados a retratar a questão ambiental. O audiovisual, especificamente na ficção, é uma ferramenta poderosa na busca pela conscientização da população.
Portanto, quem leu até aqui e ainda não viu a série, dê uma chance e assista. Ela está disponível no Globoplay e é provável que em breve ela seja exibida na TV Aberta.
Não deixem de conferir.
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