Por Fábio Leonardo Brito
Regina Casé e Chay Suede em cena de "Amor de Mãe", 2021/ foto: GShow |
Susana Vieira em cena "Senhora do Destino", 2004 / foto: Globoplay |
E o tempo, de fato, passou. Não deixa de ser curioso que, no mesmo ano em que completa setenta anos a estreia de Sua Vida Me Pertence, escrita e dirigida por Walter Foster e veiculada pela TV Tupi, Verdades Secretas 2, trama de Walcyr Carrasco dirigida por Amora Mautner, tenha estreado como a primeira novela a ser produzida para uma plataforma de streaming. Os meios de acesso a essa âncora de emoções que é a telenovela mudaram profundamente, tornaram-se mais dinâmicos, deram à parcela do público que pode acessar a Internet e pagar pelo serviço a possibilidade de optar pelo momento em que desejam assistir, mas não retirou dela, a telenovela, seu elã, sua capacidade de mobilizar opiniões, divergências, encontros e desencontros.
Não é injusto afirmar que há setenta anos contamos as mesmas histórias. Porque, afinal, há milênios que as contamos. Quando, em 1916, Georges Polti enumerou as 36 situações dramáticas em torno das quais todas as histórias se organizavam, elas já haviam sido exaustivamente contadas. A vingança do Conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas ou da velha senhora de Friedrich Dürrenmatt nos chegou através do Rodrigo de Cavalo de Aço, da Maria Alice de Os Inocentes, da Cláudia de Fera Radical, do Raimundo Flamel de Fera Ferida, da Ana Francisca de Chocolate com Pimenta, da Nina de Avenida Brasil ou da Clara de O Outro Lado do Paraíso. O amor nascido entre membros de famílias inimigas, que William Shakespeare retratou em Romeu e Julieta, veio até nós por meio de Luti e Valquíria de Ti-Ti-Ti, de Leonardo e Marina de Pedra Sobre Pedra ou de Maria Teresa e Santo de Velho Chico. O duplo do qual falou Fiodor Dostoiévski, foi retomado nos sósias ou gêmeos de O Semideus, Mulheres de Areia, Baila Comigo, O Outro, Da Cor do Pecado, Paraíso Tropical e Um Lugar ao Sol. O alpinismo social e a feira das vaidades que William Makepeace Thackerey retratou em sua crônica da elite britânica do século XIX não poderia ter ganho melhor versão do que na crônica da alta sociedade brasileira que Gilberto Braga metaforizou na Maria de Fátima de Vale Tudo ou na Laura de Celebridade.
Tarcísio Meira, José Wilker e Elisângela em "Cavalo de Aço" 1973 / Foto: Memória Globo |
Glória Pires em "Mulheres de Areia, 1993 / Foto: GShow |
Paulo Gracindo, Emiliano Queiroz e Lima Duarte em cena de "O bem amado" 1973 / Foto: AcervoGlobo |
Yara Lins em "Pai Herói", 1979 / Foto: AcervoGlobo |
Da
TV de tubo ao streaming, mesmo diante das rupturas, a telenovela continua
sendo nossa âncora de emoções. O gênero que há muito se diz que estava em vias
de acabar não apenas sobrevive, mas vive e, metamorfoseando, permanece firme e forte.
As redes sociais tornaram-se nosso espaço para indagar se vimos a novela ontem
– ou a cinco segundos – e conversar sobre a última cena. Personagens transformam-se
em memes. Temas são debatidos ou reiterados. Críticas sociais são feitas. E o
que é universal segue universal, apaixonando, acalentando e marcando gerações.
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